O jejum intermitente, uma prática que alterna momentos de alimentação com longos períodos sem comer (entre 16h e 24h, em geral), tem ganhado adeptos que desejam emagrecer. Contudo, um novo estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) alerta para os riscos dessa tendência: ela pode favorecer o desejo intenso por comida e o desenvolvimento de compulsão alimentar.
Os dados coletados corroboram com uma tese difundida há um tempo: “Dietas restritivas e jejuns são, frequentemente, o ponto de partida para transtornos alimentares”, resume o nutricionista Jônatas Oliveira, autor principal do estudo.
A pesquisa
O estudo envolveu mais de 458 estudantes da USP, dos quais 89 se declararam praticantes do jejum, enquanto 369 não seguiam esse método. A partir de um questionário online, os pesquisadores analisaram as rotinas alimentares dos participantes nos três meses anteriores à entrevista.
Os resultados revelaram uma relação direta entre o número de horas de jejum e sinais de compulsão alimentar, desejo intenso por comida e consumo de alimentos considerados “proibidos” por quem busca emagrecer (doces e itens gordurosos). Para resumir: quanto mais jejum, mais sintomas de compulsão alimentar.
Os dados apontam que a duração do jejum é, em média, 115% maior entre os comedores compulsivos e 140% mais longa entre aqueles com compulsão alimentar severa. O estudo também observou que, com o jejum, havia um aumento no desejo intenso por comida (que é chamado de food craving).
“Quando passamos tanto tempo focados em não comer e nos impomos limites rigorosos, criamos um estado constante de estresse. Isso pode levar a um ciclo vicioso de restrição e descontrole, intensificando os sintomas de compulsão alimentar”, explica Oliveira.
Embora o estudo não tenha realizado diagnóstico clínico, ele utilizou instrumentos sensíveis para medir o nível de compulsividade alimentar. Além disso, Oliveira destaca que não se pode afirmar que o jejum causa compulsão alimentar, mas há uma clara correlação entre as práticas.
Cabe destacar que o transtorno de compulsão alimentar é caracterizado por uma ingestão descontrolada de grande quantidade de comida. O indivíduo não precisa estar com fome.
Restrição e descontrole
Uma das principais conclusões do estudo é que o jejum intermitente pode ser contraproducente para quem busca emagrecimento. Ao se impor limites rígidos, a pessoa pode entrar em um ciclo de pensamento extremista (ou seja, “tudo ou nada”).
É que o controle excessivo sobre a alimentação pode causar um nível de estresse capaz de desregular o processo natural de comer, que deveria ser tão automático quanto respirar.
“Estar em jejum exige um grande esforço mental, especialmente em contextos sociais. Imagine passar o Natal sem comer enquanto todos ao redor estão celebrando. O cérebro fica mais vulnerável, e o controle é ainda mais difícil em momentos de estresse”, alerta o nutricionista.
É por isso que acontece o efeito rebote. A frustração por não atingir o emagrecimento desejado também pode piorar o quadro. “A pessoa pensa: já que não consigo emagrecer, vou comer mesmo”, exemplifica Oliveira. Significa dizer que a mentalidade de restrição dispara comportamentos impulsivos, que resultam na compulsão alimentar — caracterizada por uma sensação de perda de controle.
Mas o jejum tem benefícios?
No Brasil, onde jejuar não faz parte de uma tradição cultural ou religiosa ampla, o jejum é frequentemente associado apenas a objetivos de emagrecimento. Nesse contexto, segundo Jônatas, não dá para falar em benefícios.
“Nossa hipótese é de que o jejum, nessa perspectiva de dieta, é uma prática estressante. Ele pode até proporcionar um bem-estar inicial, mas acaba reforçando comportamentos alimentares desregulados. O jejum intermitente é um protocolo de estresse”, defende.
“No fim, muitas dessas pessoas buscam controle, mas atingem o descontrole. Para tratá-las, precisamos entender as reais motivações por trás do jejum”, conclui o nutricionista.
Segundo ele, se a intenção é emagrecer, o ideal é evitar restrições excessivas e estar atento aos limites do corpo, respeitando suas necessidades. “Para que não fiquemos tão focados na quantidade de comida ingerida, a ponto de nos desconectarmos da realidade”, diz.