Os números não deixam dúvidas. O Brasil vive a maior epidemia de dengue da história – mais de 1,9 milhão de casos prováveis em 2024, com 630 mortes confirmadas e outras 1.009 sob investigação. Se é possível extrair uma boa notícia em meio a essa tragédia, é a possível queda na taxa de letalidade sobre os casos prováveis (0,03% de óbitos, contra 0,07% no mesmo período do ano passado, apesar de serem números que ainda podem mudar, segundo especialistas). “Há mais pessoas doentes e menos pessoas que estão morrendo”, diz Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. Para ela, esses dados são reflexo de melhorias na assistência, especialmente no que diz respeito ao diagnóstico correto, com tratamento adequado e no tempo certo.
A menor letalidade da dengue, apesar da pandemia recorde, não pode ser atrelada, ainda, à vacinação, que começou a ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no início de fevereiro. Como a quantidade de doses estava limitada a pouco mais de 1,2 milhão, o ministério da Saúde decidiu concentrar o início do processo em crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, com base em estudos que identificaram maiores chances de agravamento da doença nessa faixa etária. O recorte envolve também municípios acima de 100 mil habitantes nos quais a dengue é endêmica.
Ao longo dos primeiros 40 dias de vacinação, apenas 30% das doses distribuídas foram aplicadas, por conta de uma combinação de fatores que envolvem fake news sobre a vacina, dificuldades logísticas das famílias para comparecer aos locais de vacinação – que deve ser feita em duas doses, com intervalo de três meses – e a baixa percepção de riscos de agravamento da doença pelos pais ou responsáveis. Trata-se de uma sensação enganosa de segurança, pois, de acordo com estudos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, uma a cada 20 pessoas contaminadas desenvolvem a forma grave da doença.
O volume de doses disponíveis foi o máximo oferecido ao mercado brasileiro pelo fabricante, o laboratório japonês Takeda. Diante da dificuldade para ampliar rapidamente a imunização, o governo federal espera dispor em breve de alternativas nacionais de custo reduzido e alta oferta. A vacina do Butantan, que vem sendo desenvolvida há dez anos a partir de uma fórmula em dose única que inclui os quatro variedades do vírus da dengue atenuados, chegou à fase 3 do ensaio clínico, com eficácia de 79,6% entre os 16 mil voluntários – que completarão em junho o ciclo de cinco anos de acompanhamento. Com isso, os resultados deverão ser encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre, o que dará início ao processo de solicitação do registro definitivo.
Guerra aos focos
Enquanto a vacinação não se torna amplamente disponível, a principal estratégia contra a dengue continua sendo o controle da proliferação do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus a humanos por meio da picada da fêmea. A infectologista Michelle Zicker, do Grupo São Cristóvão Saúde, lembra que 80% dos focos de transmissão da dengue estão nas residências – daí a importância de eliminar possíveis focos de água parada que podem se tornar criadouros dos mosquitos, a exemplo de garrafas, pneus, vasos e calhas obstruídas. “Recomenda-se também o uso de telas nas janelas e de repelentes com base em icaridina, substância derivada da pimenta”, observa a especialista.
A missão de combater a doença tem se tornado progressivamente mais difícil com as mudanças climáticas, que contribuem para a adaptação do mosquito a novas regiões. O caso do Sul do Brasil, nesse sentido, é emblemático. A região, por conta das temperaturas mais baixas, historicamente apresentou incidência bem menor da dengue. O que mudou em 2024. Os dados mostram que 14,6% do total de casos prováveis e 18,9% das mortes comprovadas este ano ocorreram no Rio Grande Sul, em Santa Catarina e no Paraná. O Sudeste segue muito à frente das demais regiões, com 63,6% dos casos prováveis e 40,6% das mortes comprovadas.
As manifestações clássicas da dengue incluem febre súbita e alta, acima de 39ºC, além de sintomas como dor de cabeça, dor no corpo, dor atrás dos olhos, náuseas e manchas vermelhas na pele. O agravamento do quadro pode levar a dor abdominal intensa, vômito persistente, sangramento nas gengivas ou nariz e dificuldade respiratória. Não se deve recorrer à automedicação, pois analgésicos e anti-inflamatórios podem contribuir para agravar o quadro.