A reforma tributária, aprovada depois de décadas de tentativas malsucedidas, promete finalmente descomplicar a cobrança de impostos no país – mas não livrará as empresas de rever continuamente sua estratégia logística até 2033, quando as novas regras entrarão plenamente em vigor. “Nesse período de transição, as companhias continuarão usando os benefícios fiscais que já tinham conquistado, mas terão de se preparar, ano após ano, para o momento em que essas vantagens deixarão de existir”, resume o especialista Francisco Maranhão, da Martinelli Advogados.
Para enfrentar a atual barafunda tributária, observa Maranhão, as empresas em geral foram obrigadas a correr atrás de benefícios fiscais, especialmente as alíquotas menores de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobradas por alguns Estados, para não perderem competitividade. “Isso explica por que a cidade de Extrema, que fica em Minas Gerais, mas está a apenas uma hora e meia de São Paulo, atraiu tantos centros de distribuição de mercadorias. O desconto no ICMS oferecido pelo governo mineiro compensa com folga o acréscimo no custo de transporte para a capital paulista, que é o grande centro consumidor do país”, exemplifica.
Com cerca de 53 mil habitantes e uma renda per capita de R$ 362,5 mil, a 15ª maior de um município brasileiro segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Extrema concentra metade da oferta de galpões em Minas Gerais – marca atingida com a intensificação de investimentos logísticos na cidade durante a pandemia.
“Quando as novas regras tributárias passarem a valer de fato, as rotas de distribuição deixarão de ser ‘tributárias-logísticas’ para serem simplesmente logísticas, ou seja, levarão em conta apenas o menor custo de transporte e de armazenagem”, afirma Edson Guimarães, do escritório brasileiro da consultoria McKinsey.
A travessia até o formato definitivo do novo regime tributário, porém, não será uma tarefa simples, avisa Cristiano Rios, da FTI Consulting. “As leis complementares só começarão a ser discutidas no Congresso na metade do ano e estarão sujeitas a lobbies os mais diversos. A impressão empresarial é que a reforma redundará, em geral, no aumento da tributação, por isso haverá um natural empenho de vários setores no estabelecimento de casos de exceção e de pedidos de adiamento. Foi difícil aprovar a reforma e também não será fácil regulamentá-la”, avalia Rios.
Se o cronograma estabelecido pelo Congresso for cumprido à risca, os tributos federais PIS/Cofins (que financiam a seguridade social) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deixarão de ser cobrados nas trocas comerciais dentro do país em 2027. No lugar deles será instituída a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS, que irá para o caixa da União), cuja alíquota ainda será definida pelo Senado. O IPI passará a incidir apenas sobre produtos importados ou fabricados na Zona Franca de Manaus.
A segunda fase da reforma está programada para 2029, quando o estadual ICMS e o municipal Imposto sobre Serviços (ISS) passarão a ser progressivamente reduzidos, até atingirem 60% de suas alíquotas em 2032. Para compensar essa perda, Estados e municípios passarão a arrecadar o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que crescerá à medida que o ICMS e o ISS forem reduzidos, atingindo 40% da sua alíquota em 2032. No ano seguinte, a transição se encerra, com a extinção dos antigos impostos e a vigência plena do IBS.
Entre as incertezas ainda pendentes está o valor final das alíquotas do CBS e do IBS, que juntos formarão um imposto dual, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), a ser cobrado no destino do consumo dos produtos. A previsão é de que o IVA deverá representar entre 25% e 28% do valor da compra.
Diante disso, quem investiu em galpões em outro Estado para fugir da tributação mais pesada deve voltar para perto do seu principal mercado? “Cada empresa terá de encontrar o melhor caminho para ela num futuro sem benefícios fiscais. Não há um único modelo a seguir, mas vários”, responde Cristiano Rios, da FTI Consulting. “Quem optou recentemente por uma locação de dez anos em Extrema, por exemplo, não deve planejar tão logo uma mudança para mais perto de São Paulo, até porque as cláusulas de saída desses contratos mais longos costumam ser altas. Os preços também devem baixar nos armazéns de Extrema e subir nos de São Paulo, à medida que a entrada em vigor das novas regras for se aproximando. Nesse caso, valeria a pena mudar? Os empresários, principalmente os do setor logístico, terão de montar a sua própria equação de economia”, avalia.
Francisco Maranhão nota que é mais fácil definir o que não fazer durante a transição tributária. “É prudente evitar os contratos de locação mais longos fora dos grandes centros de consumo, por exemplo, porque tiram das empresas a liberdade de tomar decisões. Quem cogitava investir nesses paraísos fiscais também deve suspender os planos até a situação ficar mais clara”, sugere.
Quanto às reclamações empresariais de que a reforma tributária resultará, no final das contas, em contribuições maiores das companhias para os três níveis de governo, Maranhão lembra que estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, indicam que a simplificação do regime de impostos terá impacto positivo no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Com isso, haverá maior demanda de produtos, beneficiando todos os setores da economia, especialmente o logístico.”
Além de destravar a economia do país – tornando-a inclusive mais atraente a investidores internacionais –, a reforma, afirma Cristiano Rios, tem a vantagem adicional de reduzir a pegada de carbono nas rodovias, o modal de transportes mais usado na entrega de produtos. “Muitas viagens de caminhão serão encurtadas quando os centros de distribuição ficarem mais próximos dos consumidores”, afirma. Nesse caso, a problemática BR-381, que liga Extrema a São Paulo e vive registrando acidentes, poderá ficar mais aliviada.