Crise de saúde mental entre jovens: proibir celular pode ser resposta simplista, alerta pesquisadora

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Vocês encerram o artigo alertando que se não aprendermos com as ‘experiências passadas’, podemos falhar na missão de oferecer IA segura e benéfica a crianças e adolescentes. Falhamos em fazer isso com as redes sociais?Lendo o artigo, percebo como o uso do tempo de tela pelos estudos não parece muito adequado para medir os impactos na saúde mental. É muito dicotômico, como se tudo que fosse consumido nesse tempo fosse ruim ou bom. Essa falta de especificidade é uma das principais razões para não termos evidências tão boas sobre os possíveis impactos?O que realmente já sabemos sobre a influência das redes sociais na saúde mental de crianças e adolescentes? Temos algo a dizer ou estamos longe de entender esses impactos, se é que eles existem?No artigo, vocês escrevem que ‘traçar uma linha do tempo da prevalência de problemas de saúde mental relatados por adolescentes e buscar quaisquer tendências visíveis que coincidem com um avanço tecnológico, como mídias sociais ou smartphones’, não é uma abordagem robusta. Lançado no ano passado, o livro de Jonathan Haidt, que se tornou best-seller e foi muito comentado, tem isso como principal argumento. Por que é problemático na visão de vocês?Alguns especialistas chegam a dizer que hoje focamos excessivamente nas tecnologias ao falar sobre a crise de saúde mental da juventude, e que isso é simplista. Concorda com isso?No Brasil, sancionamos uma lei que proíbe o uso de celular nas escolas. Apenas banir é o suficiente?A adoção da IA está sendo muito mais rápida do que a das redes sociais. Quais os possíveis benefícios e riscos?Com base nas evidências mais robustas que temos hoje, que conselho podemos dar para pais preocupados com os possíveis impactos das mídias sociais na saúde mental dos filhos deles?
Foto: University of Oxford/Reprodução

Karen Mansfieldpesquisadora do Oxford Internet Institute

O ChatGPT, da empresa OpenAI, que popularizou a inteligência artificial generativa, foi lançado só no final de 2022, mas, no ano seguinte, duas em cada cinco crianças (com idades entre 7 e 12 anos) e quatro em cada cinco adolescentes (entre 13 e 17 anos) já usavam ferramentas do tipo no Reino Unido, de acordo com um relatório do Ofcom, órgão regulador para os setores de comunicações do bloco.

Uma adoção muito mais veloz do que se viu com as redes sociais, alertam pesquisadores do Oxford Internet Institute, da Universidade de Oxford, em uma recente revisão publicada na revista científica The Lancet Child and Adolescent Health. A preocupação deles? É que ainda não compreendemos completamente nem os possíveis efeitos das mídias sociais na saúde mental dos mais jovens.

Em meio ao que tem sido chamado de crise de saúde mental global de crianças e adolescentes, não é incomum que as mídias sociais sejam apontadas para explicá-la total ou parcialmente. Um relatório de consenso publicado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, porém, chegou a fazer uma revisão de literatura e a conclusão foi de que “não há evidências suficientes para afirmar que as redes sociais causam mudanças na saúde dos adolescentes em nível populacional, mas a pesquisa mostra que as redes sociais têm o potencial tanto de prejudicar quanto de beneficiar a saúde dos adolescentes”. O relatório não foi isento de críticas, e pesquisadores mais moderados costumam pontuar que também não há evidências para dizer que o uso de mídias sociais é algo seguro para os jovens.

No novo artigo, os pesquisadores de Oxford alertam que, devido a diversas falhas, as descobertas científicas sobre essa relação, por ora, são, em sua grande maioria, inconsistentes. Eles citam, por exemplo, que muitos trabalhos desconsideram vieses de outros fatores e usam medidas ultrapassadas para avaliar tanto o uso de redes sociais quanto o estado de saúde mental. “Os achados de múltiplas revisões sistemáticas e narrativas apoiam a conclusão de que a associação entre o uso de mídias sociais e a saúde mental de crianças e adolescentes é altamente heterogênea”, escrevem eles.

Em revisão recente, pesquisadores apontam que as evidências atuais sobre a relação entre mídias sociais e saúde mental de jovens são inconsistentes. Foto: Larysa/Adobe Stock

“Embora existam razões claras pelas quais a tecnologia não deve ser vista como um substituto para o contato humano no desenvolvimento de crianças pequenas, pedidos de proibição de redes sociais para crianças mais velhas e adolescentes frequentemente são reativos e baseados em interpretações falhas da evidência”, continuam.

Para eles, ao passo que a IA balança o cenário, é preciso reconhecer e aprender com as falhas de pesquisas sobre os impactos das redes sociais na saúde mental dos mais jovens. “Sem aprendermos com experiências passadas, podemos nos encontrar em uma situação semelhante daqui a dez anos, tratando as redes sociais como hoje vemos novelas de rádio, histórias em quadrinhos e alguns tipos de jogos de tabuleiro – presos a outro ciclo de pânico midiático e falhando em tornar a inteligência artificial segura e benéfica para crianças e adolescentes”, concluem.

Quando há mudanças climáticas e guerras acontecendo pelo mundo, não podemos dizer ‘okay, são as redes sociais que estão deprimindo essas crianças

Karen Mansfield, pesquisadora do Oxford Internet Institute

Eles fazem uma série de recomendações sobre como melhorar as evidências, como aprimorar as perguntas que guiam as pesquisas, superando o determinismo monocausal, e incluir coortes mais diversas, com crianças e jovens de países de mais etnias e condições socioeconômicas. Sobretudo, pedem mais colaboração entre especialistas de diversas áreas e de representantes de vários setores da sociedade, incluindo as empresas que operam essas novas tecnologias — conhecidas como big techs — e a consideração de outros fatores contextuais enfrentados pelos mais jovens na atualidade.

O Estadão conversou com a principal autora da nova revisão, Karen Mansfield, pesquisadora de pós-doutorado no Oxford Internet Institute. Abaixo, você confere os principais trechos da entrevista.

Vocês encerram o artigo alertando que se não aprendermos com as ‘experiências passadas’, podemos falhar na missão de oferecer IA segura e benéfica a crianças e adolescentes. Falhamos em fazer isso com as redes sociais?

Certamente perdemos oportunidades. Não falhamos completamente. Há muitos bons estudos. Mas há muita inconsistência entre eles e muita dependência, por exemplo, em medidas ultrapassadas, como perguntar às pessoas quanto tempo passam online por semana ou quanto tempo ficam em um aplicativo de mídia social por dia. Isso não aborda adequadamente as questões, pois há coisas boas nas mídias sociais, além de coisas ruins. Ao focar apenas em quanto tempo os jovens passam online, estamos perdendo completamente o ponto.

A preocupação é que, como fizemos com os smartphones e as redes sociais, de assumir que são sempre ruins ou sempre ruins para algumas pessoas, façamos o mesmo com a inteligência artificial, onde há definitivamente alguns perigos, como deep fakes. Mas isso não significa que toda IA seja ruim. Precisamos encontrar uma maneira de diferenciar o bom do ruim, e isso envolve muitas pessoas trabalhando juntas, o que não fizemos até ser tarde demais com as mídias sociais.

Ao focar apenas em quanto tempo os jovens passam online, estamos perdendo completamente o ponto

Karen Mansfield, pesquisadora do Oxford Internet Institute

Lendo o artigo, percebo como o uso do tempo de tela pelos estudos não parece muito adequado para medir os impactos na saúde mental. É muito dicotômico, como se tudo que fosse consumido nesse tempo fosse ruim ou bom. Essa falta de especificidade é uma das principais razões para não termos evidências tão boas sobre os possíveis impactos?

Não é a única razão. Não é apenas sobre ter modelos estatísticos robustos, mas também compreender as limitações dos dados disponíveis. Por exemplo, ao considerar que o tempo gasto em mídias sociais está associado à depressão em jovens, podemos assumir que há correlação, ou seja, que o uso de mídias sociais causa depressão. No entanto, pode ser o contrário. Pessoas já deprimidas têm maior probabilidade de procurar apoio nas redes sociais, buscando entender-se melhor ou encontrar ajuda. Além disso, existem causas subjacentes que precisam ser consideradas. Quando, por exemplo, há mudanças climáticas e guerras acontecendo pelo mundo, não podemos dizer ‘okay, são as redes sociais que estão deprimindo essas crianças’.

É sobre perder o contexto. Se considerarmos a metodologia de inferência causal, pensaremos no que chamamos de fatores de confusão. São aquelas coisas que influenciam tanto a exposição à mídia social quanto a saúde mental. Trata-se de descobrir se estamos deixando passar essas coisas. E também definir claramente o que exatamente está sendo testado.

Portanto, não se pode simplesmente dizer o efeito da mídia social na saúde mental. Como se está medindo a saúde mental? De que aspecto da saúde mental se trata? É sobre conexão social? Ansiedade? Depressão? E o que exatamente você está medindo nas mídias sociais? A quantidade de comparação social que uma pessoa experimenta? Trata-se de definir exatamente o que você está medindo e, em seguida, pensar em outros fatores (além das mídias sociais) que podem estar faltando, e incluir isso também.

O que realmente já sabemos sobre a influência das redes sociais na saúde mental de crianças e adolescentes? Temos algo a dizer ou estamos longe de entender esses impactos, se é que eles existem?

Acho que há alguns (impactos). Existe o uso problemático, por exemplo, que ocorre quando alguém fica tanto tempo online que negligencia outros comportamentos saudáveis. Há sinais de uma associação muito forte e que algo precisa ser feito para ajudar esse grupo de pessoas. Mas, mais uma vez, pode ser que essas pessoas já estejam gravemente deprimidas e, por isso, tenham dificuldade em controlar seu comportamento e acabam tendo um uso problemático das mídias sociais. Há muitas pesquisas em andamento sobre cyberbullying e desinformação.

O dilema que destacamos no paper é quando as pessoas dizem que o problema é o tempo gasto online, o que nem sempre é um problema para algumas pessoas. Por exemplo, para pessoas com deficiências e que não podem sair muito, ou grupos minoritários de qualquer tipo, que precisam entrar em contato com sua comunidade, a internet pode ser o melhor lugar para fazer isso. Não podemos dizer que estar online ou mesmo estar online em excesso é ruim para todos: para o bem-estar de algumas pessoas, pode ser muito bom.

Em vez de definir ‘proibir mídias sociais para crianças menores de 16 anos’, por que não tornamos as ruas mais seguras?

Karen Mansfield, pesquisadora do Oxford Internet Institute

No artigo, vocês escrevem que ‘traçar uma linha do tempo da prevalência de problemas de saúde mental relatados por adolescentes e buscar quaisquer tendências visíveis que coincidem com um avanço tecnológico, como mídias sociais ou smartphones’, não é uma abordagem robusta. Lançado no ano passado, o livro de Jonathan Haidt, que se tornou best-seller e foi muito comentado, tem isso como principal argumento. Por que é problemático na visão de vocês?

Eu vi a entrevista que você fez com Jonathan Haidt (no Roda Viva, da TV Cultura), e achei muito interessante que ele mesmo sugere as limitações. Ele falou, por exemplo, sobre como os pais não querem mais mandar seus filhos brincarem ao ar livre, porque têm medo de sequestros e do trânsito perigoso. É exatamente sobre isso que estou me referindo quando falo sobre fatores de confusão.

Parece-me que o fato de as crianças passarem mais tempo online é porque não saem de casa. Não o contrário. Obviamente, isso é muito dinâmico. Portanto, se alguém entrar em um padrão de estar online, em algum momento, terá menos probabilidade de adotar outros comportamentos, porque é assim que somos.

E se, em vez de definir “proibir mídias sociais para crianças menores de 16 anos”, como países como a Austrália tem feito, por que não tornamos as ruas mais seguras? Por que não criamos lugares mais seguros para as crianças brincarem ao ar livre? Acho que seria uma solução melhor.

Simplesmente proibir as mídias sociais para menores de 16 anos só vai atrasar o acesso e, então, (quando tiverem) será um desastre absoluto. Não se pode simplesmente dizer: ‘Ah, vejam, todos vocês devem passar menos tempo nas mídias sociais’. É necessário que haja outras coisas que possamos abordar para ajudar essas crianças a fazer outras coisas e a se manterem seguras quando estiverem online.

Alguns especialistas chegam a dizer que hoje focamos excessivamente nas tecnologias ao falar sobre a crise de saúde mental da juventude, e que isso é simplista. Concorda com isso?

Até certo ponto, precisamos nos concentrar no que está acontecendo com a IA e as mídias sociais, porque os jovens estão usando-as cada vez mais. Mas precisamos mudar a maneira como estamos pensando sobre isso. Não vai ser muito útil, nós adultos, usando as mídias sociais e IA, decidirmos impedir que crianças façam o mesmo até determinada idade e, de repente, expô-las a todos esses perigos.

Precisamos começar com um trabalho qualitativo. Conversar com as empresas de mídia social sobre os aplicativos que estão desenvolvendo e tentar entender onde estão os perigos potenciais. Conversar com os jovens sobre a experiência deles (nas plataformas) e como eles estão se sentindo. Conversar com os pais, professores, formuladores de políticas. Conversar com todas essas pessoas para que você possa ter uma ideia exata do que eles acham que pode ser perigoso.

Trata-se de ter uma boa ordem de pesquisa. Depois de fazer isso, você pode passar a fazer uma análise adequada dos dados e usar uma metodologia de inferência causal muito boa, e projetar experimentos para tentar descobrir o que pode ser benéfico. Pense no que for possível e, depois, faça intervenções que você acha que podem proteger os jovens, como alfabetização digital, aprender a reconhecer a desinformação ou aprender a lidar com assédio online. Trata-se de focar nas especificidades e diferenciar, em vez de focar apenas no que o tempo (de tela) em si está fazendo.

No Brasil, sancionamos uma lei que proíbe o uso de celular nas escolas. Apenas banir é o suficiente?

Depende. Quando se trata de apenas nos concentrarmos na proibição, parece um pouco de desespero: ‘Não há nada que possamos fazer, então vamos apenas garantir que as crianças não se envolvam com isso’. E, de certa forma, é muito fácil. É uma abordagem simplificada. É dizer às pessoas o que elas querem ouvir.

Em termos de onde a proibição é ruim, não sou totalmente contra a proibição do uso de smartphones nas escolas se todos tiverem acesso à tecnologia dentro da escola para estudar. Por exemplo, uma das amigas da minha filha não tem um computador em casa. Não pode fazer suas tarefas escolares em casa, pois cuida de uma irmã mais nova. Portanto, o único momento para procurar informações para a escola é na própria escola, e não há muitos computadores ali. Então, às vezes, ela usa o celular. Ela tem um smartphone e ele é muito útil. Tirar isso dela seria ruim se ela não tivesse outra forma de acesso a informações. Portanto, acho que não há problema em proibir smartphones nas escolas, desde que se garanta que isso não aumente todas as desigualdades que já existem entre as crianças.

Mas quando se trata de proibir smartphones em outros momentos, essa é uma resposta simplista. (Porque) Assim que as crianças completam 16 anos ou, digamos 18, de repente há uma enorme explosão e elas são expostas a tudo sem saber de nada, porque não têm nenhuma experiência.

A adoção da IA está sendo muito mais rápida do que a das redes sociais. Quais os possíveis benefícios e riscos?

Acho que a IA pode ser usada para coisas práticas, experiências de aprendizado, checagens de idioma, por exemplo. Nesses casos, a IA pode ser bastante útil. Mas acho que, no momento, não sei o suficiente sobre qual IA é boa e qual é ruim.

Daqui para frente, o ponto de partida, para entender isso, será conversar com pessoas que trabalharam nessa indústria, se as que estão hoje não quiserem colaborar, e com os próprios jovens. Se as empresas não nos dizem tudo sobre o que seus algoritmos fazem, isso diminui nossa capacidade de trabalhar com elas e garantir que esses algoritmos sejam benéficos em vez de prejudiciais; e o foco se torna descobrir como conscientizar as crianças sobre isso.

Com base nas evidências mais robustas que temos hoje, que conselho podemos dar para pais preocupados com os possíveis impactos das mídias sociais na saúde mental dos filhos deles?

Conversar com eles. É a abordagem que tenho com meus filhos, porque estou ciente de que há perigos e de que não estamos totalmente cientes de quais são eles. Portanto, acho que se trata de conversar com eles e garantir que estejam cientes de que algumas coisas são perigosas. Mais detalhadamente, minha preferência também é tentar não levar telefones para a cama com você, pois eles podem atrapalhar o sono. Coisas simples como isso.

Fonte: Externa

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